(Des-)conhecimento do papel<br>da extorsão de mais-valias

Francisco Silva

Pa­rece-me claro (devo as­sumir a res­pon­sa­bi­li­dade do que digo, seja por via oral, seja por es­crito!) que re­la­ti­va­mente ao co­nhe­ci­mento ci­en­tí­fico, ao co­nhe­ci­mento do tipo outro, outro, isto é, di­fe­rente - como diria Ar­mando de Castro, e es­pero não o estar a trair - do co­nhe­ci­mento cor­rente e do co­nhe­ci­mento fi­lo­só­fico, por­tanto, do co­nhe­ci­mento ci­en­tí­fico, isto é, das ac­ti­vi­dades pró­prias à cons­trução de te­o­rias ex­pli­ca­tivas dos fe­nó­menos, das re­a­li­dades, que são o seu ob­jecto, dizia, que me pa­rece claro não ter ainda o gi­gan­tesco salto - «corte epis­te­mo­ló­gico» - efec­tuado por Karl Marx ao in­tro­duzir na área de co­nhe­ci­mento ci­en­tí­fico eco­nó­mico o con­ceito de «Mais-Valia», en­quanto di­fe­rença entre o valor de troca pro­du­zido pelos tra­ba­lha­dores e os sa­lá­rios afinal re­ce­bidos, e quando bem mos­trou a cen­tra­li­dade in­dis­pen­sável do papel «Mais-Valia» na ca­rac­te­ri­zação do modo de pro­dução ca­pi­ta­lista, pa­rece-me pois claro que esta com­pre­ensão ainda hoje não fez car­reira su­fi­ci­ente nas so­ci­e­dades. E não fez car­reira su­fi­ci­ente nas so­ci­e­dades, não obs­tante a evi­dência, ge­ne­ra­li­dade e efi­cácia com que o fe­nó­meno é re­gis­tável na ac­tu­a­li­dade. Até pa­rece men­tira como tal fe­nó­meno não entra pelos olhos dentro das pes­soas... e tão men­tira pa­rece que, por vezes, mais julgo que as pes­soas, mesmo com­pre­en­dendo que a ex­torsão de mais valia aos tra­ba­lha­dores é a base vital do Ca­pi­ta­lismo, fazem todos os pos­sí­veis para acei­tarem passar por tolas, não vá o diabo tecê-las num am­bi­ente com uma cor­re­lação de forças tão des­fa­vo­rável.

Per­gun­tarão a que vem este ar­ra­zoado. Que não será tanto assim, que os pos­sí­veis lei­tores destas li­nhas até co­nhecem esta questão. Que estou a en­sinar o Padre-Nosso ao Cura. Que se trata de ar­ro­gância do es­cre­vente... etc, etc.

O que me levou a es­crever isto foi a questão dos pré­mios do Mexia, e dos ou­tros me­xias todos, por­tu­gueses e ou­tros, que inundou todos os de­bates como se fosse o pro­blema prin­cipal. Que, dizem muitos, o que se gasta com tais se­nhores é que im­pede que os que ga­nham pouco passem a ga­nhar um pouco mais, porque o di­nheiro assim não chega para todos, e assim por di­ante. Ou­tros, ci­ni­ca­mente, hi­pó­critas, ali­men­tando a con­versa, dizem que afinal os pré­mios do Mexia até são coisa boa porque fazem en­trar mais im­postos nos co­fres do Es­tado: caem os dé­fices, fica-se com mais di­nheiro para a Edu­cação, a Saúde, para pen­sões, para sub­sí­dios de de­sem­prego, sei lá que mais. Ou­tros, muito mo­ra­lis­ti­ca­mente, como se estas ques­tões se re­sol­vessem com base em tais Mo­rais e que­jandas hi­po­cri­sias, que é um exa­gero, que se de­viam coibir de dis­tri­buir e re­ceber tais pré­mios... uma tal in­jus­tiça so­cial... e todos, de todo o es­pectro po­lí­tico, são pri­mei­ri­nhos a de­fender a Jus­tiça So­cial (aliás, como dizem muitos pa­la­dinos da Di­reita não será pela de­fesa da Jus­tiça So­cial, antes pelo con­trário, que se dis­tingue entre di­reita e es­querda, antes, sim, pela ques­tões «frac­tu­rantes» como é caso dos ca­sa­mentos entre ho­mos­se­xuais)... enfim, pa­li­a­tivos para acalmar a malta, não é?

O que nunca se fala é da «Mais-Valia», nada de tocar em tão sa­grada questão. As mais-va­lias são de quem delas «le­gal­mente» se abar­batou, nada a fazer. O que também po­de­riam ao menos re­ferir, po­demos e de­vemos todos fazê-lo, lu­ci­da­mente, é que os pré­mios e os sa­lá­rios muito altos, abis­sal­mente altos, se assim se pode dizer, são parte da massa sa­la­rial e se os «me­xi­acos» pré­mios não forem atri­buídos di­minui é a massa sa­la­rial e au­menta a massa de mais valia... não será assim? Me­lhor seria todos os me­xias do Mundo re­ce­berem os tais pré­mios e estes serem ta­xados a 100%... iam di­mi­nuir os tais dé­fices, con­tri­buir para a Edu­cação, Saúde, pen­sões e sub­sí­dios de de­sem­prego.

O que também nunca se fala, se dis­farça, é que coisas são essas que os CEOs e acó­litos prin­ci­pais fazem para re­ceber va­lores tão ele­vados. O que não se fala é que eles, en­quanto em­pre­gados mais im­por­tantes dos pa­trões pro­pri­a­mente ditos, são os ga­rantes da ma­xi­mi­zação dos lu­cros dos donos, a qual, nos úl­timos tempos, é re­a­li­zada so­bre­tudo através da di­mi­nuição das massas sa­la­riais, tanto na con­tenção e re­dução dos sa­lá­rios dos que têm postos de tra­balho, como no «ema­gre­ci­mento» das em­presas, no lay-off dos tra­ba­lha­dores, ou nos ou­tros mé­todos de re­dução de re­cursos/​ac­tivos hu­manos, que têm cons­ti­tuído na re­a­li­dade a mola real das tão de­can­tadas ino­vação, pro­du­ti­vi­dade, com­pe­ti­ti­vi­dade com que nos en­chem os ou­vidos até à exaustão. 



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